Akechi Denki (明智伝鬼): Grande Maestre da Shibari (11 Sep, 1940 — 17 Julio, 2005)

Você pode encontrar a versão deste artigo, traduzido para o Português por SorgBrasil de

Shibari Dojo Brasil neste link: Apreciá-lo!

 

Nota do tradutor: Esta entrevista foi traduzida do site www.tokyobound.com com autorização dos responsáveis pelo site.  A tradução foi realizada por Senhor Carlos, Revisão foi realizada por Sørg e myä.  Nós do Shibari Dojo Brasil, esperamos que vocês apreciem ler esta tradução tanto quanto nós apreciamos realiza-la.

Esta entrevista foi conduzida por Osada Steve em julho de 2005, dias antes do falecimento do grande mestre Akechi Denki.

A entrevista foi publicada na revista S&M Sniper (atualmente fora de circulação), na revista FetishJapan (publicação do próprio Osada Steve), assim como em um número de mídias estrangeiras.

Atualmente, possui tripla significância. Em primeiro lugar, marca o sexto aniversário da morte do mestre Akechi Denki. Em segundo, a entrevista foi o último momento registrado em que o grande mestre compartilhou seus pensamentos. Em terceiro, as últimas palavras do sensei no tocante aos aspectos do shibari/kinbaku na muga (vide último parágrafo desta entrevista, grifado em vermelho) , e não poderia ter sido dito de maneira mais bela.

Nota do Tradutor: Em breve será disponibilizado no site foi disponibilizado no site do Shibari Dojo Brasil um artigo sobre muganawa.

 

Osada Steve: O bondage japonês com cordas têm se tornado muito popular nos Estados
Unidos e na Europa e as pessoas gostariam de saber mais sobre ele. No Ocidente há algo
que chamo de “bondage de cama” – você amarra de modo muito simples os punhos e os
tornozelos e com o parceiro/a restrito, você inicia sexo ou práticas SM. Mas isso é diferente da prática japonesa de bondage. Como o senhor define shibari? O que é shibari para o senhor?

Akechi Denki: Em SM, shibari é a comunicação entre duas pessoas por meio da corda. É uma conexão feita através da corda entre os corações dos dois parceiros. Então a corda deve enlaçar com amor, como os braços de uma mãe embala seu filho. A submissa depositou toda a sua confiança em você.

O mais importante é jamais causar ferimentos à parceira. Em nosso corpo há muitos tendões e nervos delicados e você deve tomar muito cuidado para não os danificar. Se você amarrar alguém com muita força você pode danificar os nervos. Mas se você não fizer seus nós justos o suficiente, a corda pode escorregar e pegar nos ombros ou no pescoço da parceira. É difícil conceber que um simples pedaço de corda possa causar danos permanentes, mas há inúmeros casos de acidentes.

Você deve observar constantemente a sua parceira e verificar se ela está bem. Não através de palavras, mas sempre observando a expressão e reações dela.

Osada Steve: Atualmente todo nawashi usa óculos de sol, especialmente quando estão fazendo apresentações. Se a sua modelo não pode ver os seus olhos, ela realmente poderá se comunicar com o senhor?

Akechi Denki: Comunicação é muito mais do que o simples contato visual. Você passa seus braços através dela para ver como ela está se saindo, ou você faz algo com ela e avalia pela reação. Ocorre realmente uma comunicação de corpo integral. Pode ser muito assustador ficar totalmente amarrada, perder sua liberdade. Você deve manter uma boa comunicação para que a pessoa que você está amarrando sinta-se segura. Você quer que ela se sinta bem.

Osada Steve: E sobre o termo nawashi? Penso que no Ocidente as pessoas tendem a acreditar erroneamente que existe alguma espécie de processo de qualificação antes de você se tornar um nawashi. Quando este termo começou a ser usado?

Akechi Denki: Há trinta anos, talvez. Antes disso, ninguém usava o termo nawashi. Quando comecei a fazer apresentações de SM, todos diziam sado (da palavra “sádico”, para indicar o dominador) e maso (da palavra “masoquista”, para indicar a submissa).

Nesses tempos, o mundo SM era muito menor e as pessoas envolvidas levavam suas relações muito a sério. O sado era o mestre, a maso era quem a desejava serví-lo. Ele podia chamá-la e depositar [as cinzas do] seu cigarro na palma da mão dela e
isso era aceito dentro do conceito de um relacionamento muito profundo. Era aceito que ele podia machuca-la; que ela desejava entregar toda a sua vida para ele. Apenas posteriormente é que as pessoas passaram a utilizar o termo nawashi para alguém que realiza bondage com cordas como parte de apresentações SM.

Osada Steve: Como alguém se torna um nawashi? Como o senhor se tornou um nawashi?

Akechi Denki: Você deve entender que pessoas como eu, a antiga geração, começou a fazer isso na adolescência. Nós tivemos contato com revistas SM como Kitan Club (não mais publicada), e então nós começamos a tentar imitar o que víamos na revista, que eram trabalhos de corda muito mais simples do que os que vemos hoje. E nós praticávamos muito. Não apenas cordas, mas todos os conhecimentos que uso atualmente nas minhas apresentações SM. Eu tinha um chicote americano de cinco ou seis metros – um verdadeiro chicote de cowboy. E eu praticava por horas, chicoteando e
chicoteando novamente até que eu aprendi como chicotear em um espaço pequeno e me tornei hábil em bater com precisão. Nós ganhamos experiência através da prática repetida.

Mas a coisa mais importante é ter uma parceira com a qual você compartilhe uma relação profunda, de confiança. Esta é a parte mais difícil para mim – encontrar parceiras. Há quarenta anos, você não poderia simplesmente chegar e dizer que você estava interessado em SM. Não havia clubes de SM onde você pudesse ir e encontrar uma mulher que gostasse de ser amarrada. Então eu devia encontrar-me com uma garota comum e iniciar uma corte regular, levando-a para cafés e para filmes por seis meses, até um ano, formando uma relação profunda antes de poder a trazer à idéia de um bondage. E mesmo assim, a maioria das garotas ficava chocada e aterrorizada quando eu trazia a corda. E então elas me deixavam imediatamente. Finalmente, uma disse, “Tudo bem, mas
apenas um pouco.”  Eu me sentia tão agradecido que começei a chorar enquanto começava a amarrá-la. Eu faria qualquer coisa por ela. Era como encontrar uma pedra preciosa.

Osada Steve: Quantos anos o senhor tinha?

Akechi Denki: Dezesseis ou 17. Eu me recordo porquê naquela época, não éramos aceitos para entrar nos kissaten (cafeterias) até que completássemos 18. Aquela primeira garota trabalhava como atendente num kissaten. E naquela primeira vez, nós fomos para um local como que um dormitório. Eu tinha o sistema digestivo fraco, então eu sempre usava um sarashi e era com isso que eu a amarrava. (O sarashi é uma longa faixa de algodão fino que é amarrada em torno da barriga, porquê a medicina Oriental ensina sobre a importância de se manter os órgãos internos aquecidos.) E assim, usando sempre um sarashi, eu estava sempre preparado para os momentos em que tinha uma oportunidade para um bondage.

Osada Steve: Muito conveniente!

Akechi Denki: Sim, e não apenas para bondage. Tendo um sarashi envolvendo minha barriga, ele me protegia no caso de briga com facas, desviando ou parando a lâmina. E se você fosse cortado, o tecido ajudava a estancar o sangue. Nesses tempos eu trabalhava em canteiro de obras, os quais eram especialmente violentos. Estive no comando de mais de 100 pessoas e como eu sabia que não era um bom lutador,  mantive pessoas leais por perto. E eu usava um sarashi.

Osada Steve: O senhor é totalmente autodidata? O senhor aprendeu cordas com alguém?

Akechi Denki: Ninguém me ensinou. Mas eu me tornei amigo de Tsujimura Takashi, e de seu amigo Yamamoto Issho, os quais os trabalhos eram publicados naqueles tempos na Kitan Club. Eles moravam em Kansai (Osaka), mas nós podíamos nos encontrar sempre que podíamos e para praticar cordas juntos, e trocar nossas parceiras.

Nota do Tradutor: Não seria exagero dizer que Tsujimura Takashi (辻村隆) estabeleceu a arte moderna do kinbaku. Ele foi um dos primeiros kinbakushi tendo participado integralmente como escritor e kinbakushi durante todo o tempo de publicação da revista Kitan Club e influenciado os primeiros grandes mestres de corda Japoneses.  Seu nome é pouco conhecido no ocidente, em breve teremos mais artigos sobre ele no blog do Shibari Dojo Brasil.

 

Osada Steve: Sei que o senhor fez muita pesquisa em hojojutsu (捕縄術), uma antiga e tradicional forma de arte marcial usando cordas.

Akechi Denki: Sim. Isso porquê eu estava muito interessado em shibari, procurei várias livraria e museus em busca de informação do uso da corda como uma arma. Em um livro especializado de artes marciais – que eu esqueci o nome – eu encontrei diagramas de três exemplos e os estudei com muito cuidado. Eu aprendi ótimas técnicas dessa maneira, mas sempre as adaptando para o meu próprio trabalho.

As escolas remanescentes de hojojutsu guardam com muita cautela suas técnicas ancestrais e não acreditam que elas tolerariam que suas técnicas figurassem em revistas SM.

Na era Sengoku (aproximandamente 1478-1605), guerreiros portavam a corda como uma arma. Se você perdesse sua espada, você podia agarrar sua corda e usá-la para derrotar a espada do seu inimigo. Você pode arremessar sua corda como um laço para capturar a espada inimiga, ou colocar pesos em ambas as extremidades da corda e a arremessar, então ela irá se enrolar em torno do corpo do inimigo, imobilizando-o. Ou usar em torno do pescoço para o estrangular. Eu temo pela perda deste conhecimento.

Mas polícias e exércitos modernos usam técnicas similares. As forças especiais italiana e americana usam a corda para deter prisioneiros, amarrando-a em torno dos punhos e então imobilizando ambos os polegares. É simples, mas muito eficaz e mais barato que algemas. Eu ouvi dizer que eles aprenderam essa técnica de antigas artes marciais Japonesas, e a corda que eles usam é de muito boa qualidade.

Eu também pesquisei técnicas da força policial do período Edo. Os oficiais realizavam diferentes amarrações, dependendo do status social da pessoa que eles estavam detendo, e eles desenvolveram diversas maneiras de amarrar prisioneiros dependendo de como eles seriam transportados. Por exemplo se os prisioneiros seriam enviados por barco a ilhas prisionais, eles deviam deixar as pernas livres para que os prisioneiros pudessem ir para as bordas do barco se ficassem mareados.

 

Osada Steve: O que eu realmente aprecio é que o senhor sempre foi prestativo e positivo. Eu procurei o senhor para aprender determinadas amarrações e mesmo quando meus esforços terminaram terrivelmente, o senhor me elogiou. O senhor é assim com todos. O senhor nunca diz, “Oh, este rapaz não consegue mesmo amarrar.” Obviamente que o senhor simplesmente adora cordas e adora ver pessoas praticando shibari. Penso que é por este motivo que o senho é tão querido e respeitado no mundo SM.

Akechi Denki: Eu me lembro como foi quando eu estava apenas iniciando.

Osada Steve: Uma última questão: existem muito poucos nawashi profissionais, cada um possui um estilo distinto. O estilo do senhor é muito intrincado e bonito. Como isso foi desenvolvido?

Akechi Denki: Para mim, a coisa mais importante é que o trabalho em cordas pareça bonito. Meu estilo se desenvolveu no curso de shows de palco, em um tempo onde ainda não existiam vídeos. Eu sentia muito importante dar a meus clientes algo único, algo nunca visto antes. Então eu tive que desenvolver meu próprio estilo; as idéias tinham que vir de mim mesmo. E meu objetivo, meu princípio norteador, é nunca repetir uma mesma amarração. Obviamente, algumas vezes eu me pego repetindo, mas em minha mente. Estou sempre tentando realizar algo completamente novo.
Então, mesmo agora, meu estilo está sempre mudando e se desenvolvendo.

Quando estou em um palco no início de uma apresentação, eu não tenho idéia alguma do que irei realizar. Eu esvazio minha mente. Então as idéias simplesmente vem a mim, com ou através da parceira com a qual estou trabalhando. Às vezes a corda se move por conta própria e as minhas mãos apenas a seguem, e isso sempre é uma experiência impressionante. Eu simplesmente desapareço. O shibari é sempre magnífico quando isso ocorre.

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